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EM QUE SONHOU
Uma história de Dolores Orange
PUBLICADO
09 de Setembro, 2024
TEXTO
Renato Moraes
Nascida no Maranhão, crescida em Recife e atualmente morando em Belo Horizonte, a artista visual Dolores Orange é brasileira por natureza – principalmente quando observamos seus retratos. Navegando entre a pintura, a fotografia e experimentações em vídeo, seu trabalho multifacetado é um estudo profundo sobre as pessoas e situações que habitam o seu redor a partir de sua perspectiva enquanto artista, explorando no retrato diferentes abordagens e perspectivas.
A obra de Dolores é carregada de simbolismos e entregas pessoais que conversam diretamente a intensidade de sua entrega, que apesar de densa, também é singela em sua abordagem e composição. Suas pinturas abstratas poderiam ser facilmente confundidas com suas fotografias, pois ambas caminham unidas em um caminho expressivo temático. Esses mundos se chocam em poesia em trabalhos como “Na manhã seguinte à noite em que sonhou”, uma linda relação entre o analógico e o tecnológico.
“A grande verdade sobre meu trabalho é que gosto de fotografar sem ver o que eu faço,” revela Dolores ao explicar que só cria registros em fotografias analógicas, sempre experimentando com diferentes formatos e no contratempo da expedição artística.
Sua produção experimentalista começa pelas distintas formas de compreensão do tema e abordagem, o que a leva a um processo de fotografia etéreo que permeia o tema, o fotografado e, principalmente, a sua abordagem. “A fotografia analógica me permite pensar muito na composição, que me obriga a treinar meu olhar, de entender luz e de, principalmente, trabalhar a luz sem vê-la.”
“Na manhã seguinte à noite em que sonhou” é um trabalho tão poético quanto seu nome. A artista decidiu criar um catálogo de fotografias em médio formato com uma câmera emprestada de um amigo e nos stories de seu Instagram postou uma convocatória relâmpago com termos já estabelecidos: “você fornece o filme e eu faço as fotos, mas se elas saírem errado você fica de boa”. Em um dia foram 25 pessoas que se prontificaram a fazer parte, destas, 15 foram fotografadas em suas casas, com a luz ambiente e sem saber o que iria ocorrer dali para frente.
A mística analógica permeia os fotógrafos tanto quanto os fotografados, que buscam na estética uma forma de valorização e idealização da própria imagem, variando entre uma entrega artística e uma afirmação da própria identidade ou beleza. Acima disso, a busca de Dolores era sobre “o encontro de pessoas que não se conhecem e a partir dessa experimentação desenvolvem uma relação de entendimento da confiança.” Como a maioria das pessoas não eram conhecidas do artista, sua abordagem foi a mesma com todas: o mínimo de interação e no dia do registro, um café para se conhecerem.
“Para que exista um retrato bonito deve haver uma entrega da pessoa, que só chega com a confiança dela para com o fotógrafo. Existiriam alguns ensaios que eu fui caminhando no filme para chegar em um bom resultado, uma delas eu só consegui uma boa fotografia na penúltima pose,” conta ela dando ênfase na sua construção de narrativa.
“No mundo atual a fotografia analógica é uma resistência. Diferentemente do digital, a fluidez de ver a imagem e corrigir imediatamente não existe, então você está sempre refazendo o que não gosta.”
“O mágico do analógico é essa impossibilidade,” reflete a artista sobre a efemeridade dos processos digitais. “Por isso o título deste trabalho é quase como estar numa atmosfera de sonho, no sentido de não saber onde você vai chegar.”
A fotografia em médio formato, alinhada com a luz e o filme correto, de fato, entregam uma perspectiva de sonho, mas para atingir esse resultado não é necessário apenas experimentações, mas sim conhecimento – não conhecimento de técnica, mas sim de construção narrativa.
Dolores cria trabalhos que estão diretamente ligados entre sua filosofia de vida e pensamento artístico: “acredito que as pessoas não se importam com a atmosfera de uma imagem. As pessoas se importam mais com um close do que com o entendimento de que a fotografia é a paralisação de um momento, uma paralisação que também é uma celebração.
“Eu adoro que as pessoas entendam o meu trabalho como simples, porque o simples é uma capacidade de síntese muito difícil.”